Tuesday, October 21, 2008

OS TONG

[…]
No Inverno passado li um livro sobre os Tong chineses (Primitive Revolutionaries of China: A Study of Secret Societies in the Late 19th Century, de Fei-Ling Davis) – talvez o primeiro escrito por alguém que não foi agente dos serviços secretos britânicos! (na verdade, trata-se de uma socialista chinesa que morreu jovem – foi este o seu único livro) – e percebi pela primeira vez por que sempre me senti atraído pelos Tong: não apenas pelo romantismo, ou pelo elegante cenário da decadência chinesa, que lá estão – mas também pela forma, a estrutura, a própria essência da coisa.
Algum tempo depois, numa excelente entrevista de William Burroughs à revista Homocore, descobri que também ele se fascinara com os Tong e sugeria a sua forma como modo perfeito de organização para as bichas, sobretudo no actual período de histeria e moralismo medrosos. Acho que concordo, e estendo a recomendação a todos os grupos marginais, especialmente aqueles cuja fruição envolva qualquer ilegalidade (fumadores de erva, heréticos do sexo, insurreccionistas) ou alguma excentricidade extrema (nudistas, pagãos, artistas pós-vanguardistas, etc., etc.).
Os Tong podem talvez ser definidos como uma sociedade de benefício mútuo para pessoas com um interesse comum, que seja ilegal ou perigosamente marginal – daí o segredo necessário. Muitos dos Tong chineses tinham a ver com o contrabando e a evasão fiscal, ou com o domínio pessoal clandestino de certos comércios (em oposição ao controlo estatal), ou com objectivos de insurreição política ou religiosa (derrubar os Manchus, por exemplo – diversos Tong colaboraram com os anarquistas na Revolução de 1911). O propósito comum dos Tong era o de recolher os direitos de filiação e as jóias de inscrição e investi-los em fundos de apoio para os indigentes, desempregados, viúvas e órfãos dos membros falecidos, despesas de funeral, etc. Numa era como a nossa, quando os pobres ficam entre a espada cancerosa da indústria dos seguros e a parede do serviço público de saúde e assistência, que rapidamente se evapora, este propósito da sociedade secreta bem poderia recuperar todo o seu atractivo. (As lojas maçónicas foram organizadas nesta base, bem como os primeiros sindicatos ilegais e as "corporações de artífices" para trabalhadores e artesãos.) Um outro propósito universal de tais sociedades era evidentemente a convivialidade, e em especial os banquetes – mas mesmo este passatempo aparentemente inócuo pode revestir implicações insurreccionais. Nas várias revoluções francesas, por exemplo, as confrarias gastronómicas desempenhavam frequentemente o papel das organizações radicais quando todas as restantes formas de encontros públicos haviam sido banidas.
[…]
A estrita regra tradicional do segredo também precisa de ser modificada. Hoje em dia tudo o que escape ao olhar idiota da publicidade já é virtualmente um segredo. A maior parte das gentes modernas parece ser incapaz de crer na realidade de algo que nunca viu na televisão – por conseguinte, escapar ao televisionamento é já ser quase invisível. Além disso, aquilo que é visto através da mediação dos media torna-se de certa forma irreal e perde o seu poder. […] Em contraste, talvez aquilo que não é visto retenha a sua realidade, a sua raiz na vida quotidiana e, portanto, na possibilidade de maravilhamento.
[…] Muitas organizações não-autoritárias foram fundadas sobre o dúbio princípio da filiação aberta, que frequentemente conduz a uma preponderância de asnos, idiotas, salteadores, neurótticos e agentes policiais. Se os Tong se organizarem em torno de um interesse especial (nomeadamente um interesse ilegal, ou arriscado, ou marginal) terão certamente o direito de se acomodarem segundo esse princípio de "grupo de afinidade". Se o segredo significar a) evitar a publicidade, e b) vetar possíveis membros, a "sociedade secreta" dificilmente poderá ser acusada de violar os princípios anarquistas. Efectivamente, tais sociedades possuem uma longa e honrosa história no movimento anti-autoritário, desde o sonho de Proudhon, reanimar os tribunais nocturnos irregulares como forma de "justiça popular", até aos vários esquemas de Bakunine e à coluna de Durrutti. Não deveríamos permitir que os historiadores marxistas nos convençam de que tais expedientes são "primitivos" e foram, portanto, ultrapassados pela "História". O carácter absoluto da "História" é, quando muito, uma proposição dúbia. Não estamos interessados num retorno ao primitivo, mas num retorno do primitivo, atendendo a que o primitivo é o reprimido.
Nos velhos tempos as sociedades secretas surgiam em espaços e tempos proibidos pelo Estado, i. e., onde e quando as pessoas haviam sido afastadas pela lei. No nosso tempo, as pessoas não são habitualmente afastadas pela lei, mas pela mediação e a alienação. O segredo torna-se assim uma fuga à mediação, ao passo que a convivialidade passa de propósito secundário a primário na "sociedade secreta". Um simples encontro face a face é já uma acção contra as forças que nos oprimem por meio do isolamento, da solidão, pelo transe dos media.
Numa sociedade que obriga a uma ruptura esquizóide entre o Trabalho e o Lazer, todos nós experimentámos a trivialização do nosso "tempo livre", tempo que não está organizado como trabalho nem como lazer. ("Férias" significou outrora tempo vago – agora significa tempo organizado e preenchido pelo lazer industrial.) O propósito "secreto" da convivialidade na sociedade secreta transforma-se então na auto-estruturação e autovalorização do tempo livre. Boa parte das festas dedica-se apenas a música em alto volume e bebida em demasia, não porque o apreciemos mas porque o Império do Trabalho imbuiu em nós o sentimento de que tempo vago é tempo perdido. A ideia de convocar uma festa para, digamos, fazer uma colcha ou cantar madrigais em grupo parece irremediavelmente fora de moda. Mas os Tong modernos acharão simultaneamente necessário e agradável retirar o tempo livre ao domínio do mundo das mercadorias e devotá-lo à criação partilhada, à brincadeira.
Conheço já diversas sociedades organizadas nestes termos, mas não irei certamente quebrar o seu segredo ao discuti-las aqui. Existem algumas pessoas que não precisam de quinze segundos no Jornal da Noite para validarem a sua existência. Evidentemente, de qualquer forma a imprensa e a rádio marginais (os únicos media em que este pequeno sermão irá aparecer) são praticamente invisíveis – certamente ainda muito opacas ao olhar do Controlo. No entanto, há o princípio da coisa: os segredos devem ser respeitados. Nem todos precisam saber tudo! Aquilo que mais falta ao século XX – e aquilo de que ele mais precisa – é tacto. Queremos substituir a epistemologia democrática pela epistemologia dadá. Ou se está no mesmo barco ou não se está no barco.
[…] O imediatismo não se preocupa com as relações de poder; nem deseja ser governado, nem governar. Por conseguinte, o Tong contemporâneo não aprecia a degenerescência das instituições em conspirações. Pretende poder para os seus próprios propósitos de mutualidade. É uma livre-associação de indivíduos que se escolheram mutuamente para sujeitos da generosidade do grupo, para a sua "expansividade" (para usarmos um termo Sufi). Se isto resulta em algum tipo de "elitismo", pois que o seja.
Se o Imediatismo começa com grupos de amigos que tentam não apenas vencer o isolamento mas também melhorar a vida de cada um, em breve pretenderá assumir uma forma mais complexa – núcleos de aliados mutuamente escolhidos, trabalhando (brincando) para ocupar cada vez mais tempo e espaço fora de todos os controlos e estruturas mediadas. Depois quererá transformar-se numa rede horizontal de semelhantes grupos autónomos – depois, numa "tendência" – depois, num "movimento" – e depois numa rede cinética de zonas autónomas temporárias [T.A.Z.]. Esforçar-se-á finalmente por se tornar no cerne de uma nova sociedade, fazendo-se nascer a si mesma dentro da casca corrupta da velha. Para todos estes propósitos, a sociedade secreta promete fornecer um enquadramento útil de clandestinidade protectora – um manto de invisibilidade que só terá de ser abandonado no caso de um confronto final com a Babilónia da Mediação…
Preparemo-nos para as Guerras Tong!»

[in Zona Autónoma Temporária: Lisboa, trad. Jorge P. Pires, frenesi, 2000]

Tuesday, August 26, 2008

Terra Oca

Regiões Subterrâneas do continente escavadas em cavernas ciclópicas, redes fractais espaços que parecem catedrais, túneis labirínticos em forma de gargantas, rios subterrâneos vagarosos e negros, lagos estígios imóveis puros e levemente luminescentes, estreitas cachoeiras sobre rochas alisadas pela água, cortando florestas petrificadas de estalactites e estalagmites na complexidade dos desconcertantes peixes cegos exploradores de caverna e na vastidão insondável... Quem escavou esta terra oca debaixo do gelo previsto por Poe, por certos ocultistas alemães paranóicos, e por ufólogos malucos? Teria a Terra sido colonizada na época de Gonduana ou da Lemúria por alguma raça antiga? Seus esqueletos de répteis ainda estariam se desfazendo nos labirintos mais secretos e distantes deste sistema de cavernas? Águas paradas e dormentes, canais sem saída, poços estagnados distantes dos centros da civilização como Little America, Transport City, ou Nan Chi Han, lá embaixo, nos recessos escuros e poças das cavernas da Antártida, fungos e samambaias albinas. Suspeitamos que sejam seres mutantes, com os dedos das mãos e dos pés entrelaçados como anfíbios, hábitos degenerados - kallikaks da Terra Oca, renegados lovecraftianos, eremitas, contrabandistas incestuosos e sorrateiros, criminosos fugitivos, anarquistas forçados a se esconder depois das guerras de entropia, fugitivos do puritanismo genérico, dissidentes das sociedades secretas chinesas e fanáticos do turbante amarelo, piratas das cavernas da costa da Índia, lixo brando pálido e sem vida dos proletários das majestosas indústrias de Tongue Thwait, da costa de Walgreen e da terra de Edsel-Ford - os trogloditas têm mantido viva por mais de duzentos anos a memória folclórica da Zona Autônoma, o mito de que algum dia ela aparecerá de novo... taoísmo, filosofia libertina, bruxaria da Indonésia, culto da Caverna Mãe (ou Mães), identificada por alguns estudiosos como a deusa javanesa do mar/lua Loro Kidul, por outros como um divindade menor da Seita da Estrela Polar do Sul, a ``deusa Jade''... manuscritos (escritos em Bahasa Ingliss, o dialeto pidgin das cavernas profundas) contêm citações mutiladas de Nietzsche e e Chuang-tsé... O comércio consiste em ocasionais pedras preciosas e no cultivo de papoulas brancas, fungos, cerca de uma dúzia de diferentes espécies de cogumelos ``mágicos''... O raso lago Érebo, com 5 milhas de diâmetro, polvilhado de ilhotas pinheiros negros, mantidos numa caverna tão vasta que às vezes cria seu próprio clima... A vila oficialmente pertence a Little America, mas, em sua maioria, os habitantes são troglos vivendo de seguro-desemprego - e a caverna profunda do país tribal estende-se no outro lado do lago. A ralé, artistas, viciados em drogas, feiticeiros, contrabandistas, vagabundos e pervertidos moram em hotéis de basalto e gesso caindo aos pedaços, incrustados até a metade por pálidas trepadeiras verdes; ao longo do lago, uma avenida de esquálidos cafés, empórios de pedras preciosas defendidos por ninjas armados, botecos chineses que oferecem sopa de macarrão com pequenos camarões, o hall enfeitado vistosamente de cristal para lentos dançarinos de folk ao som dos gamelões, rapazes praticando seus mudras em sonolentas tardes eletrônicas azul-escuras ao som de gongos sintéticos e metalofones... e sob o cais, talvez alguns poucos banhistas vacilantes ao largo da praia negra; perplexos, genuínos turistas de baixa renda no santuário atrás do bazar onde troglos pálidos e velhos entram em transe com fungos, babam e reviram os olhos, respiram os fumos do incenso pesado, tudo de repente parece ameaçadoramente brilhante, piscando com ênfase... uns poucos casos de dedos entrelaçados, mas os rumores de promiscuidade ritual são verdadeiros. Estava eu vivendo numa vila de pescadores troglos, do outro lado do lago de Érebo, num quarto alugado em cima da loja de iscas... preguiça rural e degenerados ritos supersticiosos de abandono sensual, o mistério larval e doentio dos troglos mutantes ctenóides e oprimidos, preguiçosos e sem viço...
Little America, tão cristã e livre de mutações, eugênica e ordeira, onde todos vivem conectados ao reino descartado de antigos softwares e holografias, tão euclidianos, newtonianos, limpos e patrióticos - Los Angeles nunca entenderá esta inocente feitiçaria suja, este ``espiritualismo material''. Esta escravidão aos desejos vulcânicos de gangues secretas de rapazes das cavernas como flores sorridentes jorrando em ereções-dínamo, pulsando pura vida, curvados e tesos como arcos, e o cheiro de água, musgo do lago, flores brancas que desabrocham durante a noite, jasmins e figueiras-do-inferno, urina, cabelo molhado de criança, esperma e lama... possuídos por espíritos das cavernas, talvez os fantasmas de alienígenas antigos agora vagando como demônios, procurando renovar prazeres da carne e de substâncias perdidos há muito. Ou talvez a Zona tenha já renascido, já um nexo de autonomia, um vírus do caos que se espalha em sua mais exuberante forma clandestina, cogumelos brancos venenosos brotando dos pontos onde garotos troglos se masturbaram sozinhos no escuro...

Sonora Denúncia do Surrealismo

(Para Harry Smith)

Na Mostra de Cinema Surrealista, alguém perguntou a Stan Brakhage sobre o uso que a mídia faz do surrealismo (MTV etc.); ele respondeu que era uma ``vergonha danada''. Bem, talvez seja e talvez não seja (a kultura popular ipso fato carece de toda inspiração ?) - mas, partindo-se do princípio que, em algum nível, a apropriação que a mídia faz do surrealismo é de fato uma vergonha danada, vamos acreditar que não havia nada no surrealismo que permitisse que esse roubo acontecesse?

O retorno do reprimido significa o retorno do paleolítico - não um retorno à Idade da Pedra, mas um movimento espiral em torno de um novo nível da órbita. (Afinal, 99,9999% da experiência humana são de caça e coleta, sendo a agricultura e a indústria uma mera mancha de óleo no profundo poço da não-história.) O paleolítico equivale ao pré-Trabalho (``sociedade de lazer original''). O Pós-Trabalho (Trabalho-Zero) equivale a ``Paleolítico Psíquico''.

Todos os projetos para a ``libertação dos desejos'' (surrealismo), que permanecem emaranhados na matriz do Trabalho, podem levar apenas ao mercantilismo do desejo. O neolítico começa com o desejo por bens (excedente da agricultura), caminha para a produção do desejo (indústria) e termina com a implosão do desejo (propaganda). A libertação surrealista do desejo, apenas dos seus feitos estéticos, não vai além de ser um subconjunto da produção - daí a rendição em bloco do surrealismo ao partido comunista e sua ideologia pró-trabalho (para não mencionar sua misoginia e homofobia). O lazer moderno. Por sua vez, é simplesmente uma subdivisão do trabalho (daí seu mercantilismo) - então não é por acaso que, quando o surrealismo fechou sua fábrica, os executivos de publicidade foram os únicos clientes da liquidação.

A propaganda, usando a colonização do inconsciente feita pelo surrealismo para criar desejo, leva à implosão final do surrealismo. Não é simplesmente uma ``vergonha danada e uma desgraça'', não é uma simples apropriação. O surrealismo foi feito para a propaganda, para o mercantilismo. O surrealismo é, na verdade, uma traição ao desejo.

E, no entanto, dos abismos do significado, o desejo ainda se levanta, inocente como uma fênix recém-nascida. O dadaísmo inicial de Berlim (que rejeitou o retorno da arte-objeto), apesar se suas falhas, fornece um modelo melhor para se lidar com implosão do social do que o surrealismo jamais seria capaz de fornecer - um modelo anarquista, ou talvez (em jargão antropológico), um modelo não autoritário, uma destruição de toda ideologia, de todas as correntes da lei. Assim como a estrutura do Trabalho/Lazer sucumbe no vazio, como todas as formas de controle desaparecem na dissolução do sentido, o neolítico também parece estar destinado a desaparecer, com todos os seus templos e celeiros e polícias, para ser substituído por algum retorno à caça e coleta em termos psíquicos - uma re-nomadização. Tudo está implodindo e desaparecendo - a família edipiana, a educação, até mesmo o próprio inconsciente (como disse Andre Codrescu). Não vamos erroneamente tomar isso como o Armagedom (vamos resistir à sedução do apocalipse, à conclusão escatológica) - não é o mundo chegando ao fim - são apenas as palhas vazias do social pegando fogo e desaparecendo.

O surrealismo deve ser lançado ao lixo junto com todos os outros belos restos das primárias artimanhas clericais e os enfadonhos sistemas de controle. Ninguém sabe o que está por vir, que miséria, que espírito de selvageria, que alegria - mas a última coisa de que nós precisamos em nossa viagem é outro grupo de comissários - papas de nossos sonhos - pais. Abaixo o Surrealista...

-- Naropa, 9 de julho de 1988

Contra a Reprodução da Morte

Um Dos Sinais da Aproximação do Fim - que tantos parecem esperar - consiste em um fascínio por todos os detritos mais negativos e odiosos da época, um fascínio sentido pelos próprios pensadores que se consideravam os mais perspicazes sobre o assim chamado apocalipse sobre o qual nos alertam. Estou falando de pessoas que conheço muito bem - aquelas da ``direita espiritual'' (como os neoguenonianos, com sua obsessão por sinas de decadência) - e aquelas da esquerda pós-filosófica, os neutros ensaístas da morte, profundos conhecedores das artes da mutilação.
Para ambos esses grupos, toda ação possível no mundo é depreciada como mais uma manifestação da coisa de sempre - tudo se torna igualmente sem sentido. Para os tradicionalistas, nada importa a não ser preparar a alma para a morte (não apenas a sua própria, mas também a do mundo todo). Para o ``crítico cultural'', nada importa a não ser o jogo de encontrar uma razão a mais para o desespero, analisá-la, adicioná-la ao catálogo.

O Fim do Mundo é uma abstração porque nunca aconteceu. Ele não tem nenhuma existência no mundo real. Cessará de ser uma abstração apenas quando ocorrer - se ocorrer. (Não pretendo conhecer ``o pensamento de Deus'' sobre o assunto - nem possuo qualquer conhecimento científico sobre um futuro ainda não existente.) Vejo apenas uma imagem mental e suas ramificações emocionais; de tal forma que o identifico como um tipo de vírus fantasmagórico, uma estranha doença de mim mesmo, que deve ser eliminada em vez de ser hipocondriacamente cozida em banho-maria e tolerada. Desprezo o ``Fim do Mundo'' como um ícone ideológico apontado para minha cabeça pela religião, pelo Estado e pelo meio cultural, como uma razão para não se fazer nada.

Compreendo por que a religião e os ``poderes'' políticos querem manter-me tremendo de medo. Já que apenas eles oferecem a única chance de se evitar o ragnarok (através de prece, através da democracia, através do comunismo etc), devo seguir seus ditames como uma ovelha e não ousar nada por mim mesmo. No entanto, o caso dos intelectuais ``iluminados'' parece ser, à primeira vista, mais complexo. De que poder eles gozam neste rosário de medo e escuridão, sadismo e ódio?

Essencialmente, eles ganham inteligência. Qualquer ataque a eles parece estúpido, já que apenas eles têm os olhos abertos o suficiente para reconhecer a verdade, apenas eles ousam o suficiente para manifestá-la em desafio aos rudes censores jecas e liberais covardes. Se eu os condeno como parte do mesmo problema que eles clamam estar discutindo objetivamente, serei considerado um capiau, um puritano, um Pollyanna. Se admito meu ódio pelos artefatos de sua percepção (livros, obras de arte, performances), serei dispensado como um mero ser desagradável (e, é claro, psicologicamente reprimido) ou, na melhor das hipóteses, como alguém sem seriedade.

Muitas pessoas supõem que, por eu algumas vezes me expressar como um anarquista amante de rapazes, devo também ter ``interesse'' por outras idéias ultrapós-modernas, como assassinato de crianças em série, ideologia fascista, ou as fotografias de Joel P. Witkin. Pressupõem apenas dois lados para qualquer questão - o lado da moda e o lado que não está na moda. Uma marxista que fizesse objeções a todo este culto da morte como algo atiprogressista seria considerado tão tolo quanto um fundamentalista cristão que o considerasse imoral.

Sustento que (como de costume) muitos lados existem para essa questão, mais do que apenas dois. Questões bilaterais (criacionismo versus darwinismo, choice contra pro-life etc.) são todas, sem exceção, ilusões, mentiras espetaculares.

Minha posição é esta: tenho perfeita consciência das ``inteligência'' que direciona a ação. Eu mesmo a possuo em abundância. De vez em quando, no entanto, tenho conseguido me comportar como se fosse estúpido o suficiente para tentar mudar minha vida. Algumas vezes usei perigosos entorpecentes, como a religião, a maconha, o caos, o amor pelo rapazes. Em algumas poucas ocasiões alcancei algum grau de sucesso - e digo isso não para me gabar, mas para dar testemunho. Através da destruição dos ícones interiorizados do Fim do Mundo en da Futilidade de toda atividade mundana, tenho (raramente) atingido um estado que (em comparação com tudo que conheço) parece ser um estado de saúde. As imagens de morte e mutilação que fascinam nossos artistas e intelectuais me parecem - à luz da lembrança dessas experiências - tragicamente inapropriadas para o potencial real da existência e do discurso sobre a existência.

A própria existência pode ser considerada um abismo sem sentido algum. Eu não vejo isso como uma afirmação pessimista. Se for verdade, posso tomá-la somente como uma declaração de autonomia para minha imaginação e minha vontade - e para o mais belo ato que elas possam conceber, assim conferir significado para a existência.

Por que eu deveria emblemar esta liberdade com um ato como o assassinato (como fizeram os existencialistas) ou como algum dos gostos demoníacos dos anos 1980? A morte pode apenas me matar uma vez - até lá, estou livre para expressar e experimentar (ao máximo que puder) uma vida e uma arte de viver baseada em ``experiências de pico'' autovalorativas e no ``convívio'' (que também possui sua própria recompensa).

A replicação obsessiva do imaginário da morte (e sua reprodução ou mesmo mercantilismo) obstrui esse projeto tão veementemente quanto a censura ou a lavagem cerebral feita pela mídia. Ela estabelece circuitos negativos de feedback - é um tabu maligno. Não ajuda ninguém a vencer o medo da morte, e meramente inculca um medo mórbido no lugar do medo saudável que todas as criaturas sensíveis ao farejar sua própria mortalidade.

Não escrevo isso para absolver o mundo de sua fealdade, ou para negar que no mundo existam coisas verdadeiramente aterrorizantes. Mas algumas dessas coisas podem ser vencidas - desde que nós possamos construir uma estética de conquista, em vez de uma estética de medo.

Recentemente assisti a uma performance de poesia/dança gay de uma firme sofisticação: o único dançarino negro da trupe fingia foder uma ovelha morta.

Confesso que parte da minha estupidez auto-induzida é acreditar (e mesmo sentir) que a arte pode me transformar e transformar os outros. É por isso que escrevo pornografia e propaganda - para causar transformação. A arte nunca pode significar tanto quanto uma caso de amor, talvez, ou uma insurreição. Mas... até certo ponto... funciona.

Entretanto, mesmo se eu tivesse desistido de toda esperança na arte, de toda expectativa de exaltação, ainda me recusaria a tolerar uma arte que meramente exarceba minha miséria, ou se apraz no schadenfreude, ``prazer com a miséria alheia''. Eu volto as costas para certo tipo de arte como um cão ase distanciaria uivando do cadáver de seu companheiro. Gostaria de poder renunciar à sofisticação que me permite dar uma cheirada em tal cadáver - com indiferente curiosidade - como mais uma exemplo da decomposição pós-industrial.

Apenas os mortos são verdadeiramente inteligentes, verdadeiramente interessantes. Nada os toca. Enquanto eu viver, no entanto, ficarei do lado da vida sofredora, desonesta e cheia de si, com a raiva em vez do tédio, com a doce luxúria, a fome e o desleixo... contra a vanguarda gelada e suas chiques premonições do sepulcro.

Instruções para Kali Yuga

A KALI YUGA ainda tem mais ou menos 200 mil anos para brincar - uma boa notícia para advogados e avatares do Caos, mas uma má notícia para brâmanes, jeovista, deuses da burocracia e seus lacaios.
Eu sabia que Darjeeling guardava alguma coisa para mim assim que ouvi o seu nome - dorje ling - cidade o trovão. Cheguei um pouco antes das monções, em 1969. Antiga estação montanhosa britânica, sede de verão para o governo de Bengala - ruas com a forma de escadas de madeira curvas, do mercado avistava-se Sikkim e o Monte Katchenhunga - templos e refugiados tibetanos - belas pessoas de porcelana amarela chamadas Lepchas (os verdadeiros aborígenes) - hindus, muçulmanos, nepaleses e budistas butaneses, além de ingleses decadentes que perderam o caminho para casa em 1947, ainda à frente de bancos antiquados e lojas de chá.

Conheci Ganesh Baba, um saddhur gordo e de barbas brancas com um hiperimpecável sotaque de Oxford - nunca vi ninguém fumar tanta maconha, um narguilé cheio após o outro, perambulávamos pelas ruas, onde ele jogava bola com crianças barulhentas ou arrumava brigas nos bares, perseguindo funcionário do comércio assustados com seu guarda-chuva, e morrendo de rir.

Ele me apresentou a Sri Kamanaransan Biswas, um homem de meia-idade, pequeno e delicado, metido num terno surrado. Era funcionário do governo de Bengala e se ofereceu para me ensinar tantra. O senhor Biswas vivia num minúsculo bangalô empoeirado num morro íngreme, enevoado e salpicado de pinheiros, onde eu o visitava diariamente com doses de conhaque barato para puja e bebericagens - ele me encorajava a fumar enquanto conversávamos, um vez que, para Kali, também a maconha é sagrada.

Em sua selvagem juventude, o senhor Biswas havia sido membro do Partido Terrorista de Bengala, que incluía tanto adoradores de Kali e místicos muçulmanos heréticos quanto anarquista e extremistas de esquerda. Ganesh Baba parecia provar esse passado secreto, como se fosse um sinal da força tântrica oculta do senhor Biswas, escondida por trás de sua aparência externa dócil e acomodada.

Nós discutimos minhas leituras de Sir John Woodruffe (Arthur Avalon) todas as tardes. Eu caminhava até lá através da neblina fria do verão, de armadilhas de espíritos tibetanas adejando na brisa úmida que surgia da bruma e dos cedros. Praticávamos o Tara-mantra e o Tara-mudra (ou Yoni-mudra), e estudávamos o diagrama Tara-iantra para fins mágicos. Um vez, visitamos um templo para o Marte hindu (como o nosso, ao mesmo tempo planeta e deus da guerra), onde ele comprou um anel de dedo feito de prego de ferradura de cavalo e me deu. Mais conhaque e maconha.

Tara: uma das formas de Kali, muito semelhante em atributos. Meio anã, nua, com quatro braços armados, dançando sobre um Shiva morto, colar de crânios de cabeças cortadas, língua gotejando sangue, pele de um profundo azul-cinzento (a cor precisa das nuvens das monções). Todo dia, mais chuva - deslizamentos de terra bloqueando as estradas. Meu visto de permanência em área fronteiriça expira. O senhor Biswas e eu descemos as deslizantes montanhas do Himalaia de jipe e de trem rumo à sua cidade natal, Siliguri, localizada nas planícies de Bengala, onde o Ganges estendeu-se num encharcado delta verdejante.

Visitamos sua esposa no hospital. No ano anterior, uma enchente havia submergido Siliguri e matado dezenas de milhares de pessoas. Houve uma epidemia de cólera, a cidade inteira parecia um naufrágio, manchada de algas e arruinada, as paredes do hospital ainda estavam empastadas de lodo, sangue, vômito, os líquidos da morte. Ela senta-se silenciosa na sua cama olhando sem piscar para destinos horrendos. O lado negro da deusa. Ele me dá uma litografia colorida de Tara que miraculosamente flutuou sobre a água e foi salva.

Naquela noite assistimos a uma cerimônia no templo local para Kali, um pequeno, humilde e meio arruinado santuário à beira da estrada - a luz proveniente de tochas era a única iluminação - cânticos e tambores com uma síncope estranha, quase africana, totalmente anticlássica, primordial e no entanto insanamente complexa. Bebemos, fumamos.

Só no cemitério, próximo a um cadáver meio-queimado, sou iniciado no Tara-Tantra. No dia seguinte, febril e distante, dou adeus e sigo Assam, para o grande templo do yoni de Shakti, em Gauhati, em tempo para o festival anual. Assam é território proibido e eu não tenho um visto. À meia-neite, em Gauhati, caio fora do trem, volto pelos trilhos sob chuva e com lama até os joelhos em total escuridão, ando às cegas até finalmente entrar na cidade e encontro um hotel cheio de insetos. Estou doente como um cão. Não durmo.

De manhã, viagem de ônibus para o templo, que fica numa montanha próxima. Torres enormes, divindades populares, pátios, edifícios anexos - centenas de milhares de peregrinos - saddhus esquisitos vindos de suas cavernas de gelo atarracados em peles de tigres e cantando. Ovelhas e pombos estão sendo abatidos aos milhares, uma verdadeira hecatombe - (nenhum outro sahib branco em vista) - as sarjetas escoam uma polegada de sangue - espadas-Kali de lâmina curva cortam cortam cortam, cabeças mortas rolam nas pedra escorregadias da rua.

Quando Shiva cortou Shakti em 53 pedaços e os espalhou sobre toda a bacia do Ganges, sua vagina caiu lá. Alguns sacerdotes amigáveis falam inglês e me ajudaram a encontrar a caverna onde o yoni está exposto. Nessas alturas, sei que estou seriamente doente, mas determinado a terminar o ritual. Uma multidão de peregrinos (todos ao menos uma cabeça mais baixos do que eu) literalmente me engolfam como a correnteza do mar e me carregam suspenso enquanto descemos umas escadas curvas, asfixiantes e trogloditas até entrarmos numa caverna-ventre claustrofóbica onde sou levando, tonto e nauseado, com alucinações, em direção a um meteorito, meio cônico, meio disforme, manchado por séculos de ghee e ocre. A multidão abre-se para mim e me permite atirar um guirlanda de jasmins sobre o yoni.

Uma semana mais tarde, em Katmandu, dei entrada no Hospital Missionário Germânico (por um mês) com hepatite. Um pequeno preço a pagar para todo aquele conhecimento - o fígado de algum coronel aposentado de uma história de Kipling! - mas eu conheço ela, eu conheço Kali. Sim, absolutamente o arquétipo de todo aquele horror, mas, para aqueles que a conhecem, ela se torna a mãe generosa. Mais tarde, numa caverna na selva além de Rishikish, meditei sobre Tara por muitos dias (com mantra, iantra, mudra, incenso e flores) e retornei à serenidade de Darjeeling e de suas visões benéficas.

Sua era deve conter horrores, pois a maioria de nós não pode compreendê-la ou alcançar a guirlanda de jasmins além do colar de crânios, percebendo até que ponto são a mesma coisa. Atravessar o caos, cavalgá-lo com um tigre, abraçá-lo (mesmo sexualmente) e absorver algo de sua shakti, sua força-vital - esses é o caminho da Kali Yuga. Niilismo criativo,. Para aqueles que seguem o caminho, ela promete iluminação e até mesmo riqueza, uma parcela de seu poder temporal.

A sexualidade e a violência servem como metáforas num poema que age diretamente sobre a consciência através da Imagem-inação - ou talvez nas circunstâncias corretas elas possam ser abertamente distribuídas e gozadas, embebidas com o sentido do sagrado de cada coisa, desde o êxtase e o vinho até o lixo e os cadáveres.

Aqueles que a ignoram ou a vêem fora de si mesmo estão arriscados de destruição. Aqueles que a adoram como ishta-devata, ou ser divino, degustam de sua Era do Ferro como se fosse ouro, conhecendo a alquimia de sua presença.

Comunicado Especial

A AAO Anuncia Expurgos no Movimento do Caos

A Teoria do Caos deve, é claro, fluir impuramente. ``O roceiro preguiçoso ara sulcos tortos.'' Qualquer tentativa de precipitar a formação de um cristal ideológico iria gerar uma rigidez desconjuntada, fossilizações, o uso de armaduras e uma aspereza a que preferíamos então renunciar, junto com toda a ``pureza''. Sim, o Caos regozija-se numa certa falta de forma desleixada semelhante à erótica desordem daqueles que amamos por sua capacidade de destruir hábitos e revelar mutabilidades.
No entanto, essa flexibilidade não significa que a Teoria do Caos deva aceitar todo sanguessuga que procura se prender às nossas membranas sagradas. Certas definições ou deformações do Caos merecem ser denunciadas e nossa dedicação para com a desordem divina não pode nos deter em desbancar os traidores e artistas oportunistas e vampiros psíquicos que agora zumbem ao redor do Caos sob a impressão de que esta é a tendência da moda. Não propomos uma Inquisição em nome de nossas definições, mas sim um duelo, uma disputa, uma ato de violência ou de repúdio emocional, um exorcismo. Primeiro, gostaríamos de definir e mesmo nomear nossos inimigos.


Todos estes artistas, com fixação na morte e mutilação que associam o Caos exclusivamente com miséria, negatividade e uma pseudolibertinagem sem alegria - aqueles que pensam que ``além do bem e do mal'' significa fazer o mal - os intelectuais sadomasoquistas, seresteiros do apocalipse - os novos gnósticos dualistas, gente que odeia o mundo e niilistas atrozes.
Todos esses cientistas que vendem o Caos tanto como uma força destruidora (por exemplo, armas com raios de partículas) quanto como um mecanismo para impor a Ordem, como no caso do uso da matemática do Caos para estatísticas sociológicas e controle das massas.
Todos aqueles que se apropriam do Caos em nome de algum esquema New Age. Claro, nós não faremos nenhuma objeção se você quiser nos dar todo o seu dinheiro, mas vamos deixar bem claro: vamos gastá-lo comprando maconha ou viajando para o Marrocos.
Você não consegue vender água na beira do rio; o Caos é a matéria sobre a qual os alquimistas falaram, que os tolos consideram mais valiosa do que o ouro, embora possa ser encontrada em qualquer pilha de lixo. O maior inimigo nesta categoria é Werner Erhardt, fundador do EST, que agora está engarrafando ``Caos'' e tentando vender franquias para yuppóides.

Segundo, listaremos alguns dos nossos amigos, para dar uma idéia das tendências díspares que desfrutamos dentro da Teoria do caos: Caótica, a zona autônoma imaginária descoberta por Feral Faun (também conhecido por Feral Ranter); a Academia de Artes Caóticas de Tundra Wind; a revista KAOS, de Joel Birnoco; Chaos Inc., um boletim informativo associado ao trabalho de Ralph Abraham, um proeminente cientista do Caos; a Igreja de Eris; o Zen da Discórdia; a Igreja Ortodoxa Islâmica; certas facções da Igreja dos Subgênios; a Sagrada Cruzada de Nossa Senhora dos Caos Perpétuo; os escritores associados com o ``anarquismo tipo-3'' e periódicos como o Popular Reality, etc. Os Postos estão tomados. Caos não é entropia, Caos não é morte, Caos não é uma mercadoria. Caos é a criação contínua. O Caos nunca morreu.

Comunicado Especial do Dia das Bruxas

Magia Negra como Ação Revolucionária

Prepare uma tintura de açafrão puro e genuíno misturado com água de rosas, adicionando, se possível, um pouco de sangue de um galo negro. Num quarto silencioso, instale um altar com uma Vasilha cheia de tintura, uma caneta com ponta de ferro, sete velas negras, incenso e um pouco de benjoim. O feitiço pode ser escrito num papel ou pergaminho virgem. Desenhe o diagrama às 4 horas da tarde de uma quarta-feira, de frente para o Norte. Copie o diagrama de sete pontas (veja ilustração) sem levantar a caneta do papel, numa operação contínua, prendendo a respiração e apertando a língua contra o céu da boca. Isso é o Barisan Laksamana, ou o Reio dos Djins. Daí desenhe a Estrela de Davi (que representa um djim de cinco pontas) e as outras partes do diagrama. Sobre a estrela de Davi, escreva o nome da pessoa ou instituição que será amaldiçoada. Mantenha o papel sobre a fumaça do benjoim e evoque os djins branco e negro dentro de você.

Bismillah ar-Rahman ar-Rahim

as-salaam alikum

Ó, Branco Djim, Resplendor de Maomé

rei de todos os espíritos dentro de mim

Ó, Negro Djim, sombra de mim mesmo

VÃO, destruam me inimigo

- e se não o fizerem

considerem-se traidores de Alá -

pelo efeito do feitiço

La illaha ill’Allah

-- Mohammad ar-Rasul Allah
Se a maldição for direcionada para uma pessoa opressora, uma boneca de cera pode ser preparada e o feitiço, instalado.

Sete agulhas devem ser inseridas de cima para baixo no topo da cabeça, nas axilas esquerda e direita, quadris esquerdo e direito, lábios ou narinas. Embrulhe a boneca numa mortalha branca e enterre-a no solo sobre o qual o inimigo com certeza passará. Enquanto isso, recrute a ajuda dos espíritos da terra do local:


Bismillah ar-rahman ar-Rahim

Ó, Djim da Terra, Espírito-sujo

Ó, Negro Djim que vive debaixo da terra

escute, vampiro do solo

Eu vos ordeno que marque e destrua

o corpo e a alma de _____________

Obedeça minha ordens

pois eu sou o verdadeiro e original feiticeiro

pelo efeito do feitiço

La illaha ill’Allah

-- Mohammad ar-Rasul Allah
Se, no entanto, a maldição for direcionada a uma instituição ou empresa, colete os seguintes itens: um ovo cozido, um prego de ferro e três alfinetes de ferro (enfie o prego e os alfinetes no ovo); um escorpião, lagarto e/ou besouros secos; uma pequena bolsa de camurça com terra de cemitério, retalhos de ferro magnetizado, goma fétida e enxofre, e amarrada com uma laço vermelho. Costure o feitiço numa seda amarela e sele-o com cera vermelha. Coloque tudo isso numa garrafa de boca larga, feche com rolhas e sele com cera.

A garrafa pode agora ser cuidadosamente empacotada e enviada pelo correio para a instituição-alvo - por exemplo, um programa de televisão evangélico, o New York Post, a empresa MUZAK, uma escola ou universidade - com uma cópia da seguinte declaração (cópias extras podem ser enviadas para os funcionários , e/ou espalhadas de forma furtiva pelo prédio):

Maldição do Djim Negro Maldito

Estas instalações foram amaldiçoadas por magia negra. A maldição foi realizada de acordo com rituais corretos. Estas instituição é amaldiçoada porque tem oprimido a Imaginação e desonrado o Intelecto, degradado as arte a fim de estupidificá-las e promovido a escravidão espiritual, a propaganda para o Estado e o Capital, reações puritanas, lucros injustos, mentiras e arruinamento estético. Os funcionários desta instituição agora correm perigo. Nenhum indivíduo foi amaldiçoado, mas o local foi infectado com má sorte e malignidade. Aqueles que não despertarem e partirem, ou que não começarem a sabotar o local de trabalho, irão gradualmente sofrer os efeitos desta feitiçaria. Destruir ou remover o instrumento deste feitiço não surtirá nenhum efeito. Ele foi visto neste local, e o local está amaldiçoado. Recupere sua humanidade e revolte-se em nome da Imaginação - ou será considerado (sob o espelho deste feitiço) um inimigo da raça humana.

Sugerimos que o ``crédito'' desta ação seja dado a alguma outra instituição culturalmente ofensiva, como a Sociedade Poética Americana ou a Cruzada de Mulheres contra a Pornografia (dê o endereço completo).

Para contrabalançar o efeito que a evocação do djim negro pessoal possa ter sobre você, também sugerimos que envie uma benção mágica para alguém ou algum grupo que você ame e/ou admire. Faça isso anonimamente, e envie um belo presente. Não é necessário seguir nenhum ritual preciso, mas você deve permitir que o imaginário brote da fonte da consciência num estado meditativo intuitivo/espontâneo. Use incenso aromático, velas vermelhas e brancas, balas coloridas, vinho, flores etc. Se possível, inclua no presente prata, ouro ou jóias.

Este manual da Maldição do Djim Negro Malaio foi preparado pelo Comitê de Terrorismo Cultural da Câmara dos Adeptos da HMOCA2.19 (``Terceiro Paraíso'') de acordo com rituais autênticos e completos. Nós somos Esotéricos Nazari-ismaelitas; ou seja, xiitas heréticos e fanáticos cuja linhagem espiritual provém de Hassan-i Sabbah através de Aladdin Mohammad III, ``o Louco'', sétimo e último Pir de Alamut (e não através da linhagem da Aga Khans). Adotamos o monismo radical e o antinominalismo puro, e nos opomos a todas as formas de lei e autoridade, em nome do Caos.

Atualmente, por razões estratégicas, não recomendamos violência ou feitiçaria contra indivíduos. Proclamamos ações contra instituições e idéias - arte-sabotagem e propaganda clandestina (incluindo rituais mágicos e ``pornografia tântrica'') - e especialmente contra a venenosa mídia do Império das Mentiras. A Maldição do Djim Negro representa apenas o primeiro passo na campanha do Terrorismo Poético, que - acreditamos - vai gerar outras formas menos sutis de insurreição.

Comunicado #11

A Associação para a Anarquia Ontológica conclama um boicote de todos os produtos comercializados sob a senha de LIGHT - cerveja, carne, doces, cosméticos, música, ``estilos de vida'' pré-fabricados, o que for.
O conceito de LIGHT (no jargão situacionista) desdobra um complexo de simbolismo através do qual o Espetáculo espera controlar toda a repulsa contra o seu mercantilismo do desejo. O produto ``natural'', ``orgânico'', ``saudável'', é designado para um setor do mercado constituído por pessoas levemente insatisfeitas que apresentam um quadro mediano de horror do futuro e possuem uma aspiração mediana por uma autenticidade tépida. Um nicho foi preparado para você, suavemente iluminado pelas ilusões de simplicidade, limpeza, elegância, uma pitada de ascetismo e autonegação. Claro, custa um pouco mais... afinal, o que é LIGHT não foi feito para primitivos pobre e famintos que ainda consideram comida nutrição e não décor. Tem de custar mais - senão, você não compraria.

A classe média americana (não sofisme, você sabe o que quero dizer) divide-se naturalmente em duas facções opostas, mas complementares: os exércitos da Anorexia e os da Bulimia. Casos clínicos dessas doenças representam apenas a espuma psicossomática sobre a onda de uma patologia cultural profunda, difusa e amplamente inconsciente. Os que sofrem de bulimia são os yuppies que se fartam com margaritas e videocassetes, e depois se purgam com alimentos LIGHT, jogging e ginástica (an)aeróbica. Os anorexos são rebeldes por um ``estilo de vida'', seguidores da última moda em alimentação, comedores de algas, tristes, desespiritualizados e abatidos - mas presunçosos em seu zelo puritano e em seus instrumentos de autoflagelo com design sofisticado.

A grotesca junk food simplesmente representa o outro lado da vampiresca health food: - nada tem gosto de nada que não seja isopor ou aditivos - tudo é ou entediante ou cancerígeno - ou ambos - e incrivelmente estúpido.

Seja ela crua ou cozida, a comida não pode escapar do simbolismo. Ela é, e simultaneamente também representa, aquilo que é. Toda comida é comida para a alma; ignorar isso é cortejar uma indigestão, tanto crônica quanto metafísica.

Mas na abóbada sem ar da nossa civilização, em que praticamente toda experiência é mediada, em que a realidade é filtrada através da malha mortífera da percepção-consenso, perdemos o contato com a comida como nutrição; começamos a construir para nós mesmos personas baseadas naquilo que consumimos, tratando produtos como projeções da nossa aspiração pelo autêntico.

A AAO às vezes visualiza o CAOS como uma cornucópia de criação contínua, um tipo de gêiser de generosidade cósmica. Portanto evitamos advocar qualquer dieta específica, a última coisa que queremos é ofender a Sagrada Multiplicidade e a Divina Subjetividade. Não vamos azucriná-los com mais uma prescrição New Age para a saúde perfeita (só os mortos têm saúde perfeita); temos interesse pela vida, não por ``estilos de vida''.

Adoramos leveza verdadeira, e o denso e elaborado nos deleitam na sua hora apropriada. O excesso nos cai perfeitamente; a moderação nos agrada, e aprendemos que a fome pode ser o mais fino dos temperos. Tudo é leve, e as flores mais exuberantes crescem ao redor da privada. Sonhamos com mesas falansterianas e com cafés de Bolo’Bolo onde todo grupo festivo de convivas compartilhará a genialidade individual de um Brillat-Savarin (aquele santo do bom gosto).

O xeque Abu Sa'id nunca economizou dinheiro ou mesmo guardou-o de um dia para o outro - portanto, sempre que algum patrono doava uma quantia generosa para a sua fraternidade de religiosos, os dervixes celebravam com uma banquete; e, nos outros dias, todos passavam fome. A idéias era apreciar os dois estados, cheio e vazio...

O produto LIGHT faz uma paródia do vazio espiritual da iluminação, assim como o McDonald's traveste o imaginário da completitude e da celebração. O espírito humano (para não mencionar a fome) pode conquistar e transcender todo esse fetichismo - a alegria pode irromper mesmo num Burger King, e até uma cerveja LIGHT talvez esconda uma dose dionisíaca. Mas por que deveríamos continuar lutando contra esta maré suja de produtos insossos, fajutos e caros, quando poderíamos estar bebendo vinho do Paraíso agora mesmo, sob nossas próprias parreiras e figueiras?

A comida pertence ao reino da vida diária, a arena principal de todo ato insurrecional de tornar-se poderoso, de toda auto-elevação espiritual, de toda retomada do prazer, de toda revolta contra a Máquina Planetária do Trabalho e seus desejos de imitação. Mantenhamo-nos longe de todo dogmatismo. Que o caçador de uma tribo indígena americana possa alimentar sua alegria com um esquilo frito; e o anarco-taoísta, com um punhado de damascos secos. Milarepa, o tibetano, depois de dez anos de sopa de macarrão. Comeu um bolo de manteiga e alcançou a iluminação.

Um bronco não percebe eros nenhum num champanhe fino; um feiticeiro pode se embriagar com um copo d’água.

Nossa cultura, asfixiando-se em seus próprios poluentes, grita (como Goethe gritou por luz ao morrer) ``Mais LIGHT!'' - como se esses efluentes poliinsaturados pudessem de algum modo aliviar nosso sofrimento, como se a sua insossa falta de peso, paladar e características pudesse nos proteger da escuridão crescente.

Não! Esta última ilusão finalmente nos parece cruel demais. Apesar de nossas Próprias tendências indolentes somos forçados a nos posicionar e protestar. Boicote! Boicote! ABAIXO O LIGHT!

Apêndice: Cardápio para um Banquete Negro Anarquista (vegetariano e não vegetariano)

Caviar e blinis, ovos com mais de cem anos; lulas e arroz cozido na tinta; beringelas cozidas com casca com alho preto em conserva; arroz silvestre com nozes negras e cogumelos negros; trufas na manteiga enegrecida; carne de caça marinada em vinho do porto, grelhada no carvão, servida com fatias de pão preto e guarnecida com castanhas assadas. Cuba-libres, Guiness-e-champanhe; chá preto chinês. Musse de chocola- te amargo, café turco, uvas negras, ameixas, cerejas etc.

Comunicado #10

Sessão Plenária Levantas Novas Denúncias - Expurgos são Esperados

Para contrabalançar qualquer carma viscoso que possamos ter adquirido com o nosso irado sermãozinho de púlpito contra os cristãos e outros desagradáveis adeptos do fim do mundo ver o último comunicado) e apenas para deixar tudo muito claro: a AAO também denuncia todos os ateus renascidos imbecis e sua fétida bagagem vitoriana de materialismo científico vulgar.

//// Nós aplaudimos os sentimentos anticristãos, é claro - e todos os ataques a todas religiões organizadas. Mas... ao ouvir alguns anarquistas falarem, pode-se pensar que os anos 1960 nunca aconteceram e que ninguém tomou LSD.

//// A maioria dos cientistas, com Alice nos Loucos Países do Quantum e da Teoria do Caos, parte para o taoísmo e para o vedanta (para não falar no dadaísmo) - e ainda assim, se lermos The Match ou Freedom, poderemos pensar que a ciência foi embalsamada com o príncipe Kropotkin - e a ``religião'', com o bispo Ussher.

//// É claro que desprezamos os nazistas da era de Aquário, o tipo de guru louvado recentemente pelo The New York Times por sua contribuição aos Grandes Negócios, o culto aos zumbis yuppies que outorgam franquias, a metafísica anoréxica da banalidade New Age... mas NOSSO esoterismo continua indefinível para esses medíocres contadores de dinheiro e seus servos descerebrados.

//// Os míticos heréticos e antinomianos do Oriente e do Ocidente desenvolveram sistemas fundamentados na libertação interior. Alguns desses sistemas estão maculados pelo misticismo religioso ou ``psicológicos'' - e alguns até mesmo se cristalizaram em movimentos revolucionários (os igualitários milenaristas, os Assassinos, os taoístas de turbante amarelo etc.). Quaisquer que sejam suas falhas, eles têm uma certa arma mágica que o anarquismo dolorosamente não possui:

(1) Um sentido de meta-racional (``metanóia''), formas de ir além do pensamento fragmentado, para se chegar a um pensamento e percepção uniformes (ou nômandes, ou ``caóticos''); (2) uma definição verdadeira da consciência auto-realizada ou liberada, uma descrição positiva de sua estrutura, e as técnicas utilizadas para se chegar até ela; (3) uma visão arquetípica coerente da epistemologia - ou seja, uma forma de conhecimento (sobre história, por exemplo) que usa a fenomenologia hermenêutica para descobrir padrões de significado (algo como a ``crítica paranóica'' dos surrealistas); (4) um ensinamento sobre sexualidade (nos aspectos ``tântricos'' de várias doutrinas) que valoriza o prazer em vez da autonegação, não apenas por puro deleite, mas também como meio para uma consciência ou ``libertação'' aprimoradas;

(5) uma atitude de celebração, que pode ser chamada de ``conceito de júbilo'', o cancelamento de débitos psíquicos por meios de uma generosidade inerente à própria realidade; (6) uma linguagem (incluindo gestos, rituais, intenção) com a qual ativar e comunicar esses cinco aspectos da cognição; e (7) um silêncio. //// Não é surpresa alguma descobrir quantos anarquistas são ex-católicos, padres e freiras à paisana, ex-coroinhas, batistas renascidos que escapuliram ou mesmo ex-xiitas fanáticos.

O anarquismo oferece uma missa negra (e vermelha) para des-ritualizar todos os cérebros assombrados por fantasmas - um exorcismo secular -, mas então trai a si mesmo ao criar com remendos sua própria Igreja, toda ela coberta pelas teias de aranha do Humanismo Ético, do Pensamento Livre, do Ateísmo Muscular e da rude Lógica Cartesiana Fundamentalista. //// Há duas décadas demos início ao projeto de nos tornar Cosmopolitas Desenraizados, determinados a peneirar os detritos de todas as tribos, culturas e civilizações (inclusive a nossa) atrás de fragmentos viáveis - e sintetizar, dessa bagunça pós-ortodoxias, o nosso próprio sistema de vida - a última coisa que queremos (como advertiu Blake) é nos tornar escravos de alguém. //// Se algum feiticeiro javanês ou xamã de uma tribo de índios americanos possuir algum fragmento precioso que eu necessite para minha própria ``maleta de médico'', devo eu olhá-lo com desprezo, zombar dele e citar a frase de Bakunin sobre enforcar padres com as vísceras dos banqueiros? Ou devo lembrar-me de que a anarquia não conhece dogma, que o Caos não pode ser mapeado - e servir-me de tudo sem me sentir acorrentado? /// Encontramos as primeiras definições de anarquia no Chuang Tzu e outros textos taoístas; o ``anarquismo-místico'' ostenta uma linhagem bem mais antiga do que o racionalismo grego. Quando Nietzsche escreveu sobre os ``hiperboreanos'', acho que estava profetizando a nós - que fomos além da morte de Deus - e do renascimento da Deusa - a atingir um reino onde o espírito e a matéria são uma coisa só. Toda manifestação desta hierogamia, todo objeto material e toda vida, tornam-se não apenas ``sagrados'' em si mesmos, mas também algo simbólico de sua própria ``essência divina''. //// O ateísmo nada mais é do que o ópio do povo (ou melhor, o paladino que ele mesmo escolheu) - e não uma droga muito fascinante ou sensual. Se formos seguir o conselho de Baudelaire e ``estarmos constantemente embriagados'', a AAO preferia algo como os cogumelos, muito obrigado. O Caos é o mais velho de todos os deuses - e o Caos nunca morreu.

Comunicado #9

I. Kristianismo

Uma vez mais esperamos que aquele cadáver moralista finalmente dê seu último suspiro rançoso e se transforme definitivamente em abóbora. Uma vez mais imaginamos a derrota daquele obsceno espectro da morte pregando nas paredes de nossas salas de estar, nunca mais a lamentar sobre nossos pecados...
mas, uma vez mais, ele ressuscita e volta, arrastando-se para nos caçar como o vilão de um chatíssimo filme pornô de quinta categoria - a milésima refilmagem de A Noite dos Mortos Vivos - trilhando seu rastro de lesma de humilhação lacrimosa... logo quando você pensou que estava salvo no inconsciente... eis as MANDÍBULAS de JESUS. Atenção! É o ataque dos Batistas Barra-Pesada da Serra Elétrica!

e os Esquerdista, nostálgicos pelo Ponto Ômega de seu paraíso dialético, saúdam cada renascimento galvanizado da fé putrefata com arrulhos de delírio: Vamos dançar um tango com todos os bispos marxistas da América Latina - cantar uma balada para os pios estivadores poloneses - sussurrar canções espirituais para o mais recente e promissor afro-metodista presidenciável do Cinturão da Bíblia...

A AAO denuncia a Teologia da Libertação como uma conspiração das freiras stalinistas - o acordo secreto escarlate da Puta da Babilônia com o fascismo vermelho dos trópicos. Solidarnosc? O próprio sindicato do Papa - apoiado pela Federação Americana do Trabalho/Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO), pelo Banco do Vaticano, pelo Gabinete de Propaganda da Maçonaria e pela Máfia. E, se nós alguma vez votarmos, jamais gastaremos esse gesto vazio com algum cão kristão, não importa sua raça ou cor.

Quanto aos kristãos reais, esses tediosos fanáticos autolobotomizados, esses mórmons assassinos de crianças, esses Guerreiros Estelares da Escravidão pela Moralidade, televangelistas outoflageladores, esquadrões de zumbis da Abençoada Virgem Maria (que paira numa nuvem cor-de-rosa sobre o Bronx, vomitando ódio, excomunhões e bile sobre a sexualidade das crianças, das adolescentes grávidas e das bichas)...

Quanto aos que cultuam verdadeiramente a morte, canibais ritualísticos, freaks do Armagedom - a Direita Cristã - só podemos rezar para que o ÊXTASE ACONTEÇA e arranque-os de detrás dos volantes de seus carros, dos Programas de auditório e das camas castas, leve-os todos para o céu e deixe-nos viver nossa vida humana.

II. Pró-aborto e Antiaborto

Os Capiaus Retrógrados que jogam bombas em clínicas de aborto pertencem à mesma categoria grotesca de estupidez depravada que os bispos que pregam a Paz e ainda assim condenam a sexualidade humana. A natureza humana não tem leis (``apenas hábitos''), e todas as leis não são naturais. Tudo pertence à esfera da moralidade pessoal/imaginária - até mesmos o assassinato.
No entanto, segundo a Teoria do Caos, nós não somos obrigados a gostar e aprovar o assassinato - ou o aborto. O Caos gostaria de ver toda criança bastarda gerada e nascida; óvulo e esperma, separados, são apenas secreções adoráveis, mas combinados em DNA tornar-se consciência em potencial, a entropia negativa, alegria.

Se ``comer carne é assassinato'', como os vegetarianos afirmam, o que é o aborto? Os totemistas que dançavam para os animais que caçavam, que meditavam para se unir ao seu alimento vivo e compartilhavam de sua tragédia, demonstravam valores muito mais humanos do que a média da classe das feministas liberais ``pró-aborto''.

Em toda ``questão'' a ser considerada para debate no livro de regras do Espetáculo, ambos os lados são invariavelmente cheios de merda. A ``questão do aborto'' não é uma exceção.

Comunicado #8

A Teoria do Caos e A Família Nuclear

Domingo no Parque de Riverside, os pais colocam se filhos no lugar certo, ``pregando-os'' à grama como se por mágica, com sinistros olhares enfeitiçantes de camaradagem leitosa, e os forçam a jogar bolas de beisebol para um lado e para o outro durante horas. Os garotos quase parecem pequenos São Sebastião perfurados por flechas de tédio.
Os pretensiosos rituais de diversão familiar transformam todos os úmidos gramados do verão em parques temáticos; cada filho, uma alegoria inconsciente da riqueza do pai, uma representação pálida, duas ou três vezes distanciadas da realidade: a criança como metáfora de uma-coisa-ou-outra.

E aqui eu chego ao cair da tarde, chapado de pó de cogumelos, meio convencido de que essas centenas de vaga-lumes surgem da minha própria consciência - Onde andavam eles todos esses anos? Por que tantos, tão de repente? - cada um ascendendo num momento de incandescência, descrevendo rápidos arcos como gráficos abstratos da energia do esperma.

``Famílias! Os avaros do amor! Como eu as odeio!'' Bolas de beisebol voam sem rumo da luz vespertina, algumas se perdem, as vozes elevam-se em exaustão mendigada, mas ainda assim os Pais insistem em estender o tépido poslúdio de seu sacrifício patriarcal até a hora do jantar, até que as sombras comam a grama.

Entre os filhos da plebe há um cujo olhar por um momento cruza com o meu - transmito telepaticamente a imagem da doce licença, o cheiro do TEMPO liberto de todas as amarras da escola, das lições de música, dos acampamentos de férias, das noites familiares ao redor da TV, dos domingos no parque com papai - tempo autêntico, tempo caótico.

Agora a família está deixando o parque, um pequeno batalhão de insatisfação. Mas aquele menino se volta e sorri para mim, em cumplicidade - ``Mensagem Recebida'' - e dança atrás de um vaga-lumes, encorajado por meu desejo. O pai ladra um mantra que dissipa meus poderes.

O momento passa. O garoto é engolido pela textura da semana - desaparece como um pirata seminu ou um índio que foi levado prisioneiro pelos missionários. O parque sabe quem eu sou, mexe-se sob mim como um jaguar gigante pronto para despertar para sua meditação noturna. A tristeza ainda o detém, mas ele continua indomado na sua essência mais profunda: uma estranha desordem no coração da noite da cidade.

Comunicado #6

I. São do Apocalipse: ``Teatro Secreto''

Conquanto nenhum Stalin fungue em nossos pescoços, por que não fazer alguma arte a serviço de... um insurreição?
Não importa se é ``impossível''. O que mais devemos aspirar atingir senão o ``impossível''? Devemos esperar que outras pessoas revelem nossos verdadeiros desejos?

Se a arte morreu, ou o público desapareceu, então nos encontramos livres de dois pesos mortos. Em potencial, todos nós somos algum tipo de artista - e potencialmente todo público recuperou sua inocência, sua capacidade de tornar-se a arte que experiência.

Desde que possamos escapar dos museus que carregamos dentro de nós mesmos, desde que conseguimos parar de nos vender ingressos para as galerias que existem dentro de nossos próprios crânios, poderemos começar a contemplar uma arte que recrie o objetivo do feiticeiro: mudar a estrutura da realidade pela manipulação dos símbolos vivos (neste caso, as imagens que nos foram ``dadas'' pelos organizadores desse salão - assassinato, guerra, fome e ganância).

Podemos agora contemplar ações estéticas que possuam um pouco da ressonância do terrorismo (ou ``crueldade'', como definiu Artaud) e cujo objetivo é destruir as abstrações em vez de destruir as pessoas, a libertação em vez do poder, o prazer em lugar do lucro, a alegria e não o medo. ``Terrorismo Poético.''

As imagens que escolhemos têm a potência da escuridão - mas todas as imagens são máscaras, e por trás dessas máscaras existem energias que podemos direcionar para a luz e o prazer.

Por exemplo, o homem que inventou o aikido era um samurai que se tornou pacifista e se recusou a lutar pelo imperialismo japonês. Ele acabou virando um eremita, vivia numa montanha sentado sob uma árvore...

Um dia, um ex-colega samurai foi visitá-lo e acusou-o de traição, covardia, etc. O eremita não disse nada, apenas continuou sentado - e então o soldado, irado, puxou sua espada e atacou-o. Espontaneamente, o mestre desarmado tomou a espada do soldado e devolveu-a em seguida. Várias vezes o soldado tentou matá-lo, usando todos os golpes mais sutis de seu repertório - mas a partir de sua mente vazia o eremita inventava, todas as vezes, novas maneiras de desramá-lo.

O soldado, é claro, tornou-se seu primeiro discípulo. Mais tarde, eles aprenderam a esquivarem-se de balas. Podemos contemplar alguma forma de metadrama criado para capturar um pouco do sabor dessa atuação, que deu origem a uma arte totalmente nova, um modo totalmente não violento de luta - guerra sem assassinato - ``a espada da vida'', e não a da morte.

Uma conspiração de artistas, anônima como qualquer bombardeador maluco, mas voltada para um ato de generosidade gratuita no lugar da violência - para o milênio em vez de para o apocalipse - ou, ainda, apontada para o presente momento de choque estético a serviço da realização e liberação.

A arte conta maravilhosas mentiras que se tornam realidade.

É possível criar um TEATRO SECRETO onde o artista quanto a audiência desaparecem completamente - apenas para reaparecer em outro plano, onde a vida e a arte se tornam a mesma coisa, puro oferecimento das dádivas?

II. Assassinato - Guerra - Fome - Ganância

Os Maniqueus e os Cátaros acreditavam que o corpo pode ser espiritualizado - ou melhor, que o corpo simplesmente contamina o espírito puro e portanto deve ser rejeitado totalmente. Os gnósticos perfecti (dualistas radicais) não se alimentavam até morrer para escapar do corpo e retornar ao pleroma da luz pura.
Então: para fugir dos malefícios da carne - assassinato, guerra, fome ganância - paradoxalmente apenas existe um caminho: o assassinato do próprio corpo, guerra contra a carne, fome até a morte, ganância por salvação.

Os monistas radicais, no entanto (ismaelitas, ranters, antinomianos), consideram que corpo e espírito são uma coisa só, que o mesmo espírito que impregna uma pedra negra também infunde a carne com sua luz; que vive e tudo é vida.

``As coisas são o que são espontaneamente... tudo é natural... tudo está em movimento como se existisse um Verdadeiro Senhor para movê-las - mas, se procuramos por evidências desse Senhor, não conseguiremos encontrá-las.'' (Kuo Hsiang)

Paradoxalmente, o caminho monista também não pode ser seguido sem algum tipo de ``assassinato, guerra, fome, ganância'': a transformação da morte em vida (comida, entropia negativa) - guerra contra o Império das Mentiras - ``o jejum da alma'', ou a renúncia à Mentira, a tudo que não é vida - e ganância pela própria vida, o poder absoluto do desejo.

Mais ainda: sem o conhecimento da escuridão (``conhecimento carnal'') não pode existir o conhecimento da luz (``gnose''). Os dois conhecimentos não são meramente complementares: são idênticos, como a mesma nota tocada em duas oitavas diferentes. Heráclito afirma que a realidade persiste num estado de ``guerra''. Apenas notas opostas podem construir a harmonia. (``O Caos é a soma de todas as ordens.'')

Dê cada um desses quatro termos uma máscara de linguagem diferente (chamar as Fúrias de ``as Gentis'' não é um mero eufemismo, mas uma maneira de revelar ainda mais significados).

Mascarados, ritualizados, percebidos como arte, os termos assumem sua beleza tenebrosa, sua ``Luz Negra''.

Em vez de assassinato, diga caçada, a pura economia paleolítica de todas sociedades tribais arcaicas e não autoritárias - venery, tanto a caça e o consumo da carne quanto o encanto de Vênus, do desejo. Em vez de guerra, diga insurreição, não a revolução de classes e poderes, mas a do eterno rebelde, o sombrio que revela a luz. Em vez de ganância, diga ânsia, desejo inconquistável, amor louco. E, em vez de fome, que é um tipo de mutilação, fale de completitude, inteireza, superanbundância, generosidade do eu sobe em espirais em direção ao Outro.

Sem esse baile de máscaras, nada seria criado. A mais antiga mitologia faz de Eros o primeiro rebento do Caos. Eros, o selvagem que pode domar, é a porta pela qual o artista volta ao Caos, ao Uno, e depois retorna, reaparece novamente, trazendo uma das formas da beleza. O artista, o caçador, o guerreiro: aquele que é ao mesmo tempo apaixonado e equilibrado, ganancioso e altruísta ao extremo. Devemos ser salvos de todas as salvações que querem salvar-nos de nós mesmos, do animal que é também nossa anima, nossa própria força de vida, e também nosso animus, nosso auto-apoderamento vitalizador, que pode até mesmo se manifestar como raiva e ganância.

A BABILÔNIA ensinou-nos que a nossa carne é imunda - escravizou-nos com esse argumento e a promessa de salvação. Mas, se a carne já estiver ``salva'', já for luz - e se até mesmo a própria consciência for um tipo de carne, um éter simultaneamente palpável e vivo -, então não precisamos de nenhum poder para interceder a nosso favor. A selva, como diz Omar, é o paraíso agora mesmo.

A verdadeira posse do assassinato pertence ao Império, pois apenas a liberdade é vida completa. A guerra também é babilônica - nenhuma pessoa livre morrerá pelo engrandecimento de uma outra. A fome passa a existir apenas com a civilização dos salvadores, os reis-padres - não foi José quem ensinou ao faraó a especular sobre as colheitas futuras? A ganância - pela terra, pela riqueza simbólica, pelo poder de deformar os corpos e as almas dos outros para sua própria salvação - a ganância tampouco surge da ``natureza natural'', mas do represamento e da canalização de todas as energia para a glória do Império.

Contra tudo isso, o artista tem o baile de máscaras, a radicalização total da linguagem, a invenção de um ``Terrorismo Poético'' que vai atacar não seres humanos, mas idéias malignas, pesos mortos na tampa do caixão dos nossos desejos. A arquitetura da asfixia e da paralisia será destruída apenas pela nossa celebração total de tudo - incluindo a escuridão.

-- Solstício de Verão, 1986

Comunicado #5

``Sadomasoquismo Intelectual é o Fascismo dos Anos 1980 - A Vanguarda Come Merda e Gosta''

CAMARADAS!

Recentemente uma certa confusão sobre ``Caos'', levantada por certos setores revanchistas, importunou a AAO, forçando-nos (a nós, que desprezamos polêmicas) a enfim participar de uma Sessão Plenária devotada para denúncias ex cathedra, nefastas como o inferno; nossas faces de retórica, perdigotos voando de nossos lábios, as veias do pescoço inchadas com o fervor do púlpito. Devemos, por fim, nos resumir com cartazes com slogans raivosos (em caracteres de 1930) declarando o que a Anarquia Ontológica não é.

Lembrem-se de que só na física clássica o Caos tem qualquer coisa a ver com entropia, morte térmica e decadência. Em nossa física (Teoria do Caos), o Caos identifica-se com o Tao, mais além tanto do yin-como-entropia quanto do yang-como-energia, sendo mais um princípio de criação do que qualquer nihil, um vazio no sentido de potentia, não exaustão. (Caos como ``a soma de todas as ordens''.)

Dessa alquimia, quintessencializamos uma teoria estética. A arte do Caos pode ser aterrorizante, pode até atuar num grand guignol, mas jamais pode deixar-se encharcar em negatividade pútrida, tanatologia, schadenfreude (deleite com o sofrimento dos outros), sussurrando sobre memorabilia nazista e assassinatos em série. A Anarquia Ontológica não coleciona filmes pedantes e entedia-se profundamente com elites que vomitam filosofia francesa. (``Não há esperança alguma e eu já sabia disso antes de você, seu merda. Há!'')

Wilhelm Reich foi quase levado à loucura total e assassinado por agentes da Praga Emocional. Talvez metade de sua trabalho deveria da mais absoluta paranóia (conspirações de OVNIs, homofobia, até mesmo sua teoria sobre o orgasmo), MAS em um ponto nós concordamos completamente - sexpol: repressão sexual alimenta a obsessão pela morte, o que leva à más políticas.

Uma grande parte da arte de vanguarda está saturada com Raios de Orgônio Mortal (ROM). A Anarquia Ontológica tem como objetivo construir detonadores de nuvens estéticas (armas-RO) para dispensar o miasma do sadomasoquismo cerebral que hoje em dia é considerado moderno, brilhante, inteligente, o máximo, o novo. Artistas ``performáticos'' automutiladores são para nós banais e estúpidos - sua arte deixa todo mundo mais infeliz. Que tipo de bosta barata conivente... que artistas babacas com cérebro de minhoca prepararam esse cozido apocalíptico?

É claro que a vanguarda parece ``inteligente'' - como Marinetti e os Futuristas, como Pound e Celine. Em comparação com esse tipo de inteligência, preferimos a estupidez real, a idiotice insossa e bucólica do New Age - preferimos ser idiotas a ficar obcecados pela morte. Mas, felizmente, não precisamos esvaziar o cérebro para alcançar nosso tipo raro de satori. Todas as faculdades, todos os nossos sentidos são nossos, nossa propriedade - coração e cabeça, espírito e intelecto, alma e corpo. A nossa não é uma arte de mutilação, mas de excesso, superabundância, assombro.

Os distribuidores da melancolia sem sentido são os Esquadrões da Morte da estética contemporânea - e nós os ``desaparecidos''. Seu salão de bailes de fantasia com ocultos bricabraques do Terceiro Reich e assassinatos de crianças atrai os manipuladores do Espetáculo - a morte fica melhor na TV do que na vida - e nós, artistas do Caos, que pregamos uma alegria rebelde, somos encurralados e mantidos no silêncio.

Não é precisos dizer que rejeitamos toda a censura da Igreja e do Estado - mas, ``depois da revolução'', de bom grado assumiremos a responsabilidade individual e pessoal pela queima de todo o embolorado lixo artístico dos Esquadrões da Morte e pela sua expulsão da cidade em caravana. (No contexto anarquista, a crítica torna-se uma ação direta.) Em meu espaço não cabe em Jesus e seus senhores das moscas nem Charles Manson e seus admiradores literários. Eu não quero nenhuma polícia mundana - nem assassinos cósmicos e seus machados; nenhum massacre com serra elétrica na TV, nenhum sensível romance pós-estruturalista sobre necrofilia.

No momento, a AAO nutre vaguíssimas esperanças de poder sabotar o mecanismo sufocante do Estado e seu circuito fantasmagórico - mas podemos chegar a ser capazes de fazer algo para diminuir as manifestações da praga dos ROM, como os comedores de cadáveres do Lower East Side e outros lixos artísticos. Apoiamos artistas que usam materiais aterradores para alguma ``causa nobre'' - que usam material sexual/afetivo de qualquer tipo, não importa se chocante ou ilegal - que usam sua raiva e asco e seus desejos verdadeiros de caminhar em direção à auto-realização, beleza e aventura. ``Niilismo Social'', sim - mas não o niilismo morto do autodesprezo gnóstico. Mesmo se for violento e abrasivo, qualquer um com um vestígio do terceiro olho consegue enxergar as diferenças entre a arte revolucionária pró-vida e a arte reacionária pró-morte. Os ROM fedem, e o nariz do artista do Caos pode senti-lo da mesma forma que discerne o perfume da alegria espiritual/sexual, mesmo quanto soterrado ou mascarado sob outros odores sombrios. Mesmo a Direita Radical, com todo seu horror da carne e dos sentidos, ocasionalmente aparece com um momento de percepção e aprimoramento da consciência - mas os Esquadrões da Morte, com todo seu cansativo discurso e suas abstrações revolucionárias modernas, oferecem-nos tanta energia libertária quanto o FBI, o FDA e os batistas recalcados.

Vivemos numa sociedade que faz propaganda de suas mercadorias mais caras com imagens de morte e mutilação, enviada diretamente para a parte sub-reptícia do cérebro das multidões através de aparelhos carcinógenos geradores de ondas alfa que distorcem a realidade - enquanto algumas imagens da vida (como a nossa favorita, de uma criança se masturbando) são banidas e punidas com uma ferocidade incrível. Não é preciso coragem para ser um Sádico da Arte, pois a morte libidinosa está no centro estético do Paradigma do Consenso.

``Esquerdistas'' que gostam de se fantasiar e brincar de polícia e ladrão, pessoas que se masturbam olhando para fotos de atrocidades, pessoas que gostam de pensar e intelectualizar sobre a arte ``qualquer jeito'', a pretensiosa falta total de esperança, monstruosidade terrível, as desgraças dos outros - tais ``artistas'' não são nada além de policiais-sem-poder (uma definição perfeita também para muitos ``revolucionários'') Nós temos uma bomba negra para esses fascistas estéticos - ela explode em espuma e estalos, ervas hilariantes e pirataria, estranhas heresias xiitas e fontes paradisíacas borbulhantes, ritmos complexos, pulsações da vida, tudo o que for sem forma e raro.

Acorde! Respire! Sinta o hálito do mundo em sua pele! Aproveite o dia! Respire! Respire!

(Nossos agradecimentos a J. Mander por seu livro Four Arguments for the Abolition Of Television, a Adam Exit e ao mouro cosmopolita de Williamsburg.)

Comunicado #4

A AAO declara-se oficialmente entediada com o Fim do Mundo. A versão canônica tem sido usada desde 1945 para nos manter acovardados diante do medo da Inevitável Destruição Mútua e em chorosa servidão aos nossos políticos super-heróis ( os únicos capazes de lidar com a fatal Criptonita Verde)...

Qual a importância de termos descoberto uma forma de destruir a vida na Terra? Quase nenhuma. Nós imaginamos isso como uma forma de fuga da contemplação de nossas próprias mortes individuais. Criamos um emblema para servir como imagem-espelho de uma imortalidade descartada. Como ditadores dementes, desfalecemos ao pensar em levar tudo conosco para o fundo do Abismo.

A versão não oficial do Apocalipse envolve uma nostalgia lasciva pelo Fim e por um Éden pós-Holocausto onde os sobreviventes (ou os 144 mil eleitos das Revelações) podem se entregar indolentemente às orgias de histeria dualista, aos intermináveis confrontos finais com um demônio sedutor...

Vimos o fantasma de René Guénon, cadavérico e usando um fez (como Boris Karloff interpretando Ardis Bey em A Múmia), liderando uma funérea banda de rock noise industrial em altos zumbidos de moscas negras pela morte da Cultura e do Cosmos: o fetichismo elitista de niilistas patéticos, o autodesprezo gnóstico dos intelectualóides ``pós-sexuais''.

Não seriam essas baladas sombrias simplesmente imagens-espelhos de todas as mentiras e superficialidades sobre o Progresso e o Futuro, berradas em todos os alto-falantes, e emitidas, no mundo do Consenso, como ondas cerebrais paranóicas de qualquer livro escolar e da TV? A tanatologia dos sofisticados milenaristas brota como pus da falsa saúde do Paraíso de Trabalhadores e Consumidores.

Qualquer um que pode ler a história com os dois hemisférios do cérebro sabe que um mundo termina a todo instante - as ondas do tempo lavam tudo e deixam apenas as memórias de um passado fechado e petrificado - memória imperfeita, ela mesma moribunda e autonal. E a todo instante também é gerado um mundo novo - apesar dos protestos dos filósofos e dos cientistas cujos corpos se paralisaram - uma atualidade na qual todas as impossibilidades se renovam, em que arrependimentos e premonições dissipam-se em nada num único gesto presencial, psicomântrico e hologramático.

O passado ``normativo'' ou a futura morte do universo significam tão pouco para nós quanto o PIB do ano passado ou a degeneração do Estado. Todos os passados Ideais, todos os futuros que ainda não passaram, simplesmente obstruem a nossa consciência da vívida presença total.

Certas seitas acredita, que o mundo (ou ``um'' mundo) já chegou ao fim. Para as Testemunhas de Jeová, aconteceu em 1914 (isso mesmo, senhores, estamos vivendo o Livro das Revelações agora). Para certos ocultistas orientais, aconteceu durante a grande Conjunção dos Planetas em 1962. Joaquim de Fiore proclamou a Terceira Era, a do Espírito Santo, que substituiu a do Pai e do Filho. Hassan II de Alamut proclamou a Grande Ressurreição, a imanência do eschaton, o paraíso na Terra. O tempo profano terminou em algum ponto da Idade Média. Desde então, vivemos em tempos angelicais - só que a maioria de nós não sabe disso.

Ou, partimos de um ponto de vista monista ainda mais radical: o Tempo nunca começou. O Caos nunca morreu. O Império nunca foi fundado. Não somos e nunca fomos escravos do passado ou reféns do futuro.

Sugerimos que o Fim do Mundo seja declarado um fait acompli; a data exata não importa. Os ranters, em 1650, sabiam que o Milênio se inicia agora em cada alma que desperta para si mesma, para o seu próprio centro e divindade. ``Regozije-se, companheiro'', era o cumprimento que usavam. ``Tudo é nosso!''

Eu não quero participar de qualquer outro Fim do Mundo. Um garoto sorri para mim na rua. Um corvo negro pousa numa árvore de magnólias rosadas, grasnando enquanto o orgônio se acumula e é liberado numa fração de segundo sobre a cidade... o verão começa. Eu posso ser seu amante... mas cuspo em cima do seu Milênio.

Comunicado #3

``Preciso apenas mencionar en passant que existe um curioso ressurgimento da tradição de bagres na popular série de filmes Godzilla, surgida após o caos nuclear lançado sobre o Japão. Na verdade, os detalhes simbólicos da evolução Godzilla no cinema de cultura pop são surpreendentemente paralelos aos mais tradicionais e folclóricos temas japoneses e chineses de combate a uma ambivalente criatura do caos (alguns dos filmes, como Mothra, lembram diretamente os antigos motivos do ovo/cabaça/casulo cósmico) que é geralmente domesticada, após o fracasso da ordem civilizada, pela ação especial e indireta de uma criança.'' Girardot , Myth e Meaning in Early Taoism: The Theme of Chaos (hun-tun).

Em algum antigo Templo da Ciência Islâmica (em Chicago ou Baltimore), um antigo amigo afirmou Ter visto um altar secreto no qual descansavam pares combinados de seis revólveres (em caixas de veludo) e um fez negro. Supostamente, a iniciação ao círculo mais secreto requer do neófito mouro o assassino de pelo menos um policial. /// E Louis Lingg? Foi ele um precursor do Anarquismo Ontológico? ``Eu o desprezo'' - não podemos deixar de admitir tais sentimentos. Mas o homem se dinamitou aos 22 anos para enganar a força... esses não é exatamente o caminho que escolhemos.

/// A IDÉIA de POLÍCIA é como a hidra em que crescem cem novas cabeças para cada uma que é decepada - e todas essa cabeças são policiais vivos. Cortar fora as cabeças não nos ajuda em nada, apenas aumenta o poder da besta até que ela nos engula. /// Primeiro assassine a IDÉIA - exploda o monumento dentro de nós - e então, talvez... o equilíbrio do poder se inverterá. Quando o último tira em nosso cérebro for assassinado pelo último desejo não satisfeito - talvez até mesmo a paisagem ao nosso redor comece a mudar... /// O Terrorismo Poético propõe tal sabotagem dos arquétipos como ávidos pela derrubada (por qualquer meio) de toda polícia, aiatolás, banqueiros, carrascos, padres etc., reservamo-nos a opção de venerar até mesmo os ``fracassos'' do excesso radical. /// Uns poucos dias liberto do Império das Mentiras pode muito bem valer um sacrifício considerável; um momento de realização exaltada pode pesar mais do que uma vida inteira de trabalho e tédio microcefálico. /// Mas esse momento deve tornar-se nosso - e nossa posse sobre ele é seriamente comprometida se precisamos cometer suicídio para preservar sua integridade. Então, misturamos ironia à nossa veneração - não é o martírio que propomos, mas a coragem do dinamitador, a autoconfiança de um monstro do Caos, a realização de prazeres criminosos e ilegais.''

Comunicado #2

O Memorial Bolo Kallikak e O Caos Ashram: Uma Proposta

Alimentando uma obsessão por trailers Airstream - aqueles clássicos dirigíveis em miniatura sobre rodas - e também pela região de Pine Barrens em Nova Jersey, por suas infindáveis vastidões desertas de riachos arenosos e pinheiros negros, brejos de groselhas silvestres e cidades fantasmas, população em torno de catorze pessoas por milha quadrada, estradas não pavimentadas onde samambaias crescem sem controle, cabanas de pinho e casas sobre rodas, enferrujadas e isoladas, com carros enguiçados no quintal da frente.

Terra dos míticos Kallikaks - famílias da região estudadas pelos eugenistas na década de 1920 para justificar a campanha de esterilização dos pobres da área rural. Alguns Kallikaks fizeram bons casamentos, prosperaram e tornaram-se burgueses, graças aos bons genes - outros, no entanto, nunca tiveram emprego de verdade e viviam dos bosques - incestos, sodomia, deficiências mentais abundantes - fotografias retocadas para fazê-los parecer absortos e morosos - descendentes de índios vagabundos, mercenários de Hesse, ladrões pés-de-chinelo, desertores - degenerados lovecraftianos.

Pensando bem, os Kallikaks talvez tenham produzido alguns seguidores do Caos, percursores do sexo radical, profetas do Trabalho-Zero. Como outras paisagens monótonas (desertos, mares, pântanos), a região de Pine Barrens parece estar imbuída de um poder erótico - que não é nem viril nem orgiástica, mas que transmite uma desordem lânguida, quase um desmazelo da Natureza, como se aquele solo e aquela água fossem feitos de carne sensual, membranas, tecidos esponjosos eréteis. Queremos acampar neste lugar, talvez numa cabana de pesca e caça abandonada com um velho fogão de lenha e banheiro externo - ou em decadentes cabanas de férias em alguma estrada secundária fora de uso - ou simplesmente num lugar onde podemos estacionar dois ou três Airstreams escondidos por detrás dos pinheiros e Perto de um poço grande o suficiente para nadar. Será que os kallikaks estavam por dentro de algo bom? Vamos descobri.

em algum lugar, garotos sonham que extraterrestres virão resgatá-los de suas famílias, talvez desintegrando seus pais com um tipo de raio alienígena. Então, bem... Trama de Seqüestro do Pirata Espacial é Descoberta - ``Alienígena'' Desmascarado é Poeta Homossexual Xiita Fanático - OVNIs avistados sobre Pine Barrens - ``Garotos Perdidos Deixarão a Terra'', afirma Hakim Bey, o Assim Chamado Profeta do Caos.

garotos fugitivos, bagunça e desordem, êxtase e Indolência, nadar nus, infância como insurreição permanente - coleções de sapos, lesmas, folhas - mijar da lua - 11, 12, 13 - crescidos o suficiente para tomar as rédeas da própria história da mão dos pais, da escola, da previdência social, da TV - Venham viver conosco no Pine Barrens - nós cultivaremos um tipo local de beberagem para financiar nossa luxúria e contemplação da alquimia do verão - e além disso não produziremos nada a não ser artefatos de Terrorismo-Poético e recordações de nossos prazeres.

dar voltas sem destino na velha picape, pescar e coletar alimentos, deitar na sombra lendo quadrinhos e comendo uvas - essa é a nossa Economia. A realidade das coisas quando libertas da Lei, cada molécula uma orquídea, cada átomo uma pérola para a consciência alerta - esse é nosso culto. O Airstream tem tapetes persa em todas suas paredes, a grama está cheia de ervas satisfeitas.

a casa na árvore torna-se uma nave espacial na nudez de julho e à meia-noite, semi-aberta às estrelas, aquecidas por um suor epicuriano, apressada e depois tranqüilizada pela respiração dos pinheirais.

(Caro Diário de Bordo Bolo: Você pediu uma utopia prática e possível - aqui está ela, não apenas uma fantasia pós-holocausto, nada de castelos da lua de Júpiter - um esquema que poderíamos adotar amanhã - a não ser pelo fato de que todos os seus aspectos violam certas leias, revelam alguns dos tabus absolutos da sociedade norte-americana, ameaçam a própria trama social etc. etc. etc. Azar. Esse é nosso desejo verdadeiro e para realizá-lo precisamos contemplar não apenas uma vida de arte pura, mas também o crime puro, a insurreição pura. Amém.)

(Nossos agradecimentos a Grim Reaper e a outros membros do Templo Si Fan da Divina Providência em prol de YALU, GANO, SILA e suas idéias.)

Comunicado #1 (Primavera de 1986)

I. Slogans e Motes para Pichar no Metrô e para Outros Propósitos

COSMOPOLITISMO DESENRAIZADO

TERRORISMO POÉTICO

(para rabiscar ou carimbar em outdoors publicitários:)

ESTE É O SEU VERDADEIRO DESEJO

MARXISMO-STIRNERISMO

ENTRE EM GREVE PELA INDOLÊNCIA e BELEZA ESPIRITUAL

CRIANCINHAS TÊM PÉS LINDOS

AS CORRENTES DA LEI FORAM QUEBRADAS

PORNOGRAFIA TÂNTRICA

ARISTOCRATISMO RADICAL

GUERRILHA URBANA PARA A LIBERTAÇÃO DAS CRIANÇAS

XIITAS FANÁTICOS IMAGINÁRIOS

BOLO’BOLO

SIONISMO GAY

(SODOMA PARA OS SODOMITAS)

UTOPIAS PIRATAS

O CAOS NUNCA MORREU
Alguns desses slogans da Associação para a Anarquia Ontológica (AAO) são ``sinceros'' - outros têm como objetivo despertar temores e apreensão pública - mas não sabemos bem qual é qual. Nossos agradecimentos a Stalin, Anon, Bob Black, Pir Hassan (ao seu nome ser mencionado, que reine em paz), F. Nietzsche, Hank Purcell Jr., ``P.M.'' e irmãos Abu Jehad al-Salah do Templo Islâmico de Dagon.

II. Algumas Idéias Poético-Terroristas que ainda Continuam em Triste Languidez no Reino da ``Arte Conceitual''

Entre na área dos caixas eletrônicos do Citibank ou do Chembank numa hora de muito movimento, cague no chão e vá embora.
Chicago, Maio de 1886: organize uma procissão ``religiosa'' para os ``mártires'' do Haymarket - grandes faixas com retratos sentimentais coroados com flores e transbordando de fitas e lantejoulas, carregadas por penitentes vestidos em trajes com capuzes negros no estilo KKKatólico - escandalosos e efeminados acólitos de TV borrifam a multidão com água benta e incenso - anarquistas com rostos emplastrados de cinzas flagelam-se com pequenos relhos e chicotes - um ``Papa'' de túnica negra abençoa minúsculos caixões simbólicos carregados reverentemente para o cemitério por punks chorosos. Um espetáculo desse tipo deve ofender quase todo mundo.
Cole em lugares públicos um cartaz xerocado com a foto de um lindo garoto de 12 anos, nu e se masturbando, com o título bem à vista: A FACE DE DEUS.
Envie elaboradas e requintadas ``bênçãos'' mágicas pelo correio, anonimamente, para pessoas ou os grupos que você admira, por exemplo, por sua capacidade política ou espiritual, por sua beleza física ou por seu sucesso no mundo do crime etc. Siga o mesmo procedimento descrito no item 5 a seguir, mas utilize uma estética de bons votos, amor ou felicidade, o que for mais apropriado.
Rogue uma praga horrível contra uma instituição maligna, tal como o New York Post ou a empresa MUZAK. Aqui, uma técnica adaptada dos feiticeiros da Malásia: envie para a empresa um pacote com uma garrafa tampada e selada com cera negra. E dentro dela: insetos mortos, escorpiões, lagartos e coisas do tipo; um saco com terra de cemitério (``gris-gris'' na terminologia vodu), junto com outras substâncias nocivas; um ovo perfurado por pregos e alfinetes de ferro; um pergaminho onde está desenhado um emblema.
(Esse iantra ou veve invoca o Djim Negro, a sombra do Eu. Detalhes completos podem ser obtidos na AAO.) Um bilhete explica que a bruxaria é contra a instituição e não contra os indivíduos - mas, a menos que a instituição deixe de ser maligna, a praga (como um espelho) começará a infectar as dependências com um destino terrível, um miasma de negatividade. Prepare um ``comunicado'' explicando a maldição e atribuindo a sua autoridade à Sociedade Poética Americana. Envie cópias para todos os empregados da instituição e para a mídia. Na noite anterior à chegada dessas cartas, cole nas paredes da instituição cópias do emblema do Djim Negro em locais que sejam visíveis a todos os empregados quando eles chegarem ao trabalho pela manhã.

(Nossos agradecimentos novamente a Abu Jehad e a Sri Anamananda - o Castelão Mouro do Belvedere Weather Tower - e aos outros camaradas da zona autônoma do Central Park e do Templo Número 1 do Brooklyn.)

Comunicados da AAO

Comunicado #1 (Primavera de 1986)

I. Slogans e Motes para Pichar no Metrô e para Outros Propósitos
II. Algumas Idéias Poético-Terroristas que ainda Continuam em Triste Languidez no Reino da ``Arte Conceitual''


Comunicado #2
O Memorial Bolo Kallikak e O Caos Ashram: Uma Proposta



Comunicado #3
O Tema Haymarket



Comunicado #4
O Fim do Mundo



Comunicado #5
``Sadomasoquismo Intelectual é o Fascismo dos Anos 1980 - A Vanguarda Come Merda e Gosta''



Comunicado #6
I. São do Apocalipse: ``Teatro Secreto''
II. Assassinato - Guerra - Fome - Ganância



Comunicado #7
Paleolitismo Psíquico e Alta Tecnologia: Um Ensaio de Posicionamento



Comunicado #8
A Teoria do Caos e A Família Nuclear



Comunicado #9
Duplas Denúncias
I. Kristianismo
II. Pró-aborto e Antiaborto



Comunicado #10
Sessão Plenária Levantas Novas Denúncias - Expurgos são Esperados



Comunicado #11
Especial e Bombástica Declaração de Férias Sobre Alimentos: Abaixo o Light!



Comunicado Especial do Dia das Bruxas
Magia Negra como Ação Revolucionária



Comunicado Especial
A AAO Anuncia Expurgos no Movimento do Caos

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O que isso diz a você não é prosa. Pode ser pendurado no quadro de avisos, mas ainda está vivo e retorcendo-se. Não pretende seduzi-lo, a não ser que você seja de extrema juventude e beleza (anexe uma foto recente).
Hakim Bey mora num decadente hotel chinês onde os proprietários balançam a cabeça de um lado para o outro enquanto lêem os jornais e escutam transmissões estridentes da Ópera de Pequim. O ventilador de teto gira como um dervixe indolente - suor pinga sobre a página - o cafetã do poeta está encardido, seus cinzeiros derramam cinzas no tapete - seus monólogos parecem desconexos e levemente sinistros - por trás das janelas fechadas, o gueto desaparece entre palmeiras, o ingênuo oceano azul, a filosofia do tropicalismo.

Numa estrada em algum lugar a leste de Baltimore, você passa por um trailer Airstream, e enxerga uma grande placa plantada na grama: LEITURAS ESPIRITUAIS, com a imagem de uma rude mão negra sobre um fundo vermelho. Lá dentro, você encontra livros sobre sonhos e numerologia, panfletos sobre vodu e macumba, revistas de nudismo velhas e empoeiradas, um pilha de Boy's Life, tratados sobre briga de galos... e este livro, Caos. Como palavras ditas num sonho, portentosas, evanescentes, transformando-se em perfumes, pássaros, cores, música esquecida.

Este livro se mantém a distância por uma certa impassibilidade em sua superfície, quase que visível através de um vidro. Ele não abana o rabo e não grunhe, mas morde e estraga a mobília. Ele não tem um número ISBN e não o quer como discípulo, mas pode seqüestrar seus filhos.

Este livro é nervoso como o café ou a malária - ele cria, entre si e seus leitores, uma rede de desertores e outsiders - mas é tão cara-de-pau eliteral que praticamente se codifica - fuma a si próprio em estupor.

Uma máscara, uma automitologia, um mapa sem nome de lugar algum - hirto como uma pintura egípcia que, no entanto, logra acariciar o rosto de alguém e, de repente, encontra-se na rua, num corpo, envolvido em luz, andando, acordado, quase satisfeito.


-- Nova York, 1 de maio a 4 de julho de 1984

Feitiçaria

O universo quer brincar. Aqueles que por ganância espiritual se recusam a jogar e escolhem a pura contemplação negligenciam sua humanidade - aqueles que evitam a brincadeira por causa de uma angústia tola, aqueles que hesitam, desperdiçam sua oportunidade de divindade - aqueles que fabricam para si máscaras cegas de Idéias e vagam por aí à procura de uma prova para sua própria solidez acabam vendo o mundo através dos olhos de um morto.
Feitiçaria: o cultivo sistemático de uma consciência aprimorada ou de uma percepção incomum e sua aplicação no mundo das ações e objetos a fim de se conseguir os resultados desejados.

O aumento da amplitude da percepção gradualmente bane os falsos eus, nossos fantasmas cacofônicos - a ``magia negra'' da inveja e da vingança volta-se contra o autor porque o Desejo não pode ser forçado. Quando o nosso conhecimento da beleza harmoniza-se com o ludus naturae, a feitiçaria começa.

Não, não se trata de entortar colheres ou fazer horóscopos, não é a ``Aurora Dourada'' nem um xamanismo de brincadeira, projeção astral ou uma Missa Satânica - se você quer mistificação, procure as coisas reais, bancos, política, ciência social - não esta baboseira barata da Madame Blavatsky.

A feitiçaria funciona criando ao redor de si um espaço físico/psíquico ou aberturas para um espaço de expressão sem barreiras - a metamorfose do lugar cotidiano numa esfera angelical. Isso envolve a manipulação de símbolos (que também são coisas) e de pessoas (que também são simbólicas) - os arquétipos fornecem um vocabulário para esse processo e portanto, são tratados ao mesmo tempo como reais e irreais, como as palavras. Ioga da Imagem.

O feiticeiro é um Autêntico Realista: o mundo é real - mas a consciência também o deve ser, já que seus efeitos são tão tangíveis. Um obtuso acha que até mesmo o vinho não tem gosto, mas o feiticeiro pode se embriagar simplesmente olhando para a água. A qualidade da percepção define o mundo do inebriamento - mas, sustentá-lo e expandi-lo, para incluir os outros, exige um certo tipo de atividade - feitiçaria.

A feitiçaria não infringe nenhuma lei da natureza porque não existe nenhuma Lei Natural, apenas a espontaneidade da natura naturans, o Tao. A feitiçaria viola as leis que procuram deter se fluxo - padres, reais, hierofantes, místicos, cientistas e vendedores consideram a feitiçaria uma inimiga porque ela representa uma ameaça ao poder de suas charadas e à resistência de sua teia ilusória.

Um poema pode agir como um feitiço e vice-versa - mas a feitiçaria recusa-se a ser uma metáfora para uma mera literatura - ela insiste que os símbolos devem provocar incidentes assim como epifanias particulares. Não é uma crítica, mas um refazer. Ela rejeita toda escatologia e metafísica da remoção, tudo que é apenas nostalgia turva e futurismo estridente, em favor de um paroxismo ou captura da presença.

Incenso e cristal, adaga e espada, certo, túnicas, rum, charutos, velas, ervas como sonhos secos - o garoto virgem com olhar fixo num pote de tinta - vinho e haxixe, carne, iantras e rituais de prazer, o jardim de huris e sagüis - o feiticeiro escala essas serpentes e escadas até o momento totalmente saturado por sua própria cor, em que montanhas são montanhas e árvores são árvores, em que o corpo torna-se eternidade e o amado torna-se vastidão.

As táticas do anarquismo ontológico estão enraizadas nesta Arte secreta - os objetivos ao anarquismo ontológico aparecem no seu florescimento. O Caos enfeitiça seus inimigos e recompensa seus devotos... este estranho panfleto amarelado, pseudonímico e manchado de pó, revela tudo... passe-o adiante por um segundo de eternidade.

Crime

A justiça não pode ser obtida sob nenhuma Lei que seja - uma ação que está de com a natureza espontânea, uma ação justa, não pode ser definida por dogmas. Os crimes defendidos nestes panfletos não podem ser cometidos contra o ``si mesmo'' ou o ``outro'', mas apenas contra a mordaz cristalização de Idéias em estruturas de Tronos e Dominações venenosas.
Ou seja, não crimes contra a natureza ou contra a humanidade, mas contra a ordem legal. Mais cedo ou mais tarde, o descobrimento e a revelação de ser/natureza transformam uma pessoa num bandoleiro - como se ela visitasse outros mundos e, ao retornar, descobrisse que foi declarada traidora, herege, um ser exilado.

A Lei espera até que você tropece num modo de ser, uma alma diferente do padrão de ``carne apropriada para consumo'' aprovado pelo Sistema de Inspeção Federal - e, assim que você começa a agir de acordo com a natureza, a Lei o garroteia e o estrangula - portanto, não dê uma de mártir abençoado e liberal da classe média - aceite o fato de que você é um criminoso e esteja preparado para agir como tal.

Paradoxo: adotar o Caos não é escorregar para a entropia, mas emergir para uma energia semelhante à das estrelas, um espécime de graça instantânea - uma organização orgânica espontânea completamente diferente das pirâmides sociais putrefatas dos sultão, muftis, cádis e carrascos.

Depois do Caos, vem o Eros - o princípio da ordem implícito no vazio do Uno inqualificável. O amor é estrutura, sistema, o único código não contaminado pela escravidão e pelo sono drogado. Precisamos nos tornar vigaristas e persuasivos para proteger sua beleza espiritual num bisel de clandestinidade, num secreto jardim de espionagem.

Não apenas sobreviva, enquanto espera que a revolução de alguém ilumine as suas idéias, não se aliste no exército da anorexia ou bulimia - aja como se já fosse livre, calcule as probabilidades, pule fora, lembre-se das regras de duelo - Fume Maconha/Coma Galinha/Tome Chá. Todo homem tem sua própria vinha e sua figueira (Circle Seven Koran, Noble Drew Ali) - carregue seu passaporte mouro com orgulho, não fique parado no meio do fogo cruzado, proteja-se - mas arrisque-se, dance antes que fique calcificado.

O modelo social natural para o anarquismo ontológico é uma gangue de crianças ou um bando de ladrões de banco. O dinheiro é uma mentira - esta aventura deve ser possível sem ele - o resultado das pilhagens e saques deve ser gasto antes que se torne pó novamente. Hoje é o Dia da Ressurreição - o dinheiro gasto com a beleza será alquimicamente transformado num elixir. Como o meu tio Melvin dizia, melancias roubadas são mais doces.

O mundo já foi recriado segundo o desejo do coração - mas a civilização é dona de todas as locações e da maioria das armas. Nossos anjos ferozes exigem que invadamos a propriedade alheia, porque se manifestam apenas em solo proibido. O Ladrão de Estrada. A ioga da clandestinidade, o assalto relâmpago, o desfrute do tesouro.